A Vendedora de Ovos | Estória para não embalar

© Vincent Boisot

Escrito para o Photsoc, Festival Internacional da Fotografia social de Sarcelles, 2011, inspirado pela fotografia de Vincent Boisot.
Publicado no livro Pour une poignées de rêves (2013)



Paga-me mas não me olha quando entrego-lhe o troco. Aliás, será que olha quando escolho os seus ovos? Quando vos entrego os seus cartões? Seria incapaz de me reconhecer se eu estivesse longe do mercado. As outras vendedoras e eu somos iguais, mas você passa por nós todas as semanas há anos. Acha que somos apenas isto? Somos mulheres de combate, educamos os nossos filhos, fazemos viver a nossa comunidade. Sou alguém inteiro com sonhos e ambições. A minha vida não se limita aos seus ovos semanais, mas para si, a minha vida resume-se ao mercado. E no entanto...
Quando saio daqui, não sou mais a pessoa que contribui ao seu pequeno-almoço continental. Não sou mais a vendedora de ovos. Sou outra pessoa. Sou uma artista. Uma voz.

Quando a noite cai, o meu palco é o maior do mundo. Não há muros ou teto ou cena ou camarim. A minha ópera é ao ar livre, iluminado pelas estrelas, pronto para receber o mundo inteiro. Os espectadores sentam-se em cadeiras de plástico. Você está aí, também. Não podia passar ao lado de tal fenómeno, da orquestra sinfónica de Kinshasa que está na boca do mundo. Mas nunca acreditou em nós.
Vê-me, aplaude. Mas não me reconhece.
A orquestra começa O Fortuna. O chão vibra com a força dos instrumentos, com o poder das vozes, da minha voz. Um início como um sopro, a minha voz é grito. As lágrimas enchem-me as pálpebras, tenho pele de galinha de tão arrepiada. Sou transportada, longe, tão longe do mercado, dos ovos, da sua indiferença. Esta noite, sou outra, elevo-me até às estrelas e o meu brilho cega-vous. Você aplaude.

Mas continua sem saber quem sou.
Eu, eu sei quem você é.