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O meu romance em português

Meu Filho | Estória para não embalar

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© Bénédite Topuz Escrito para o Photsoc, Festival Internacional da Fotografia social de Sarcelles, 2012, inspirado pela fotografia de Bénédite Topuz Publicado no livro Pour une poignées de rêves pela editora L'ivre-Book (2013) MEU FILHO Por Jo Ann von Haff A minha vida não mudou quando nasceste, ela mudou quando li o sinal positivo no teste de gravidez, mudou quando as análises de sangue confirmaram o meu estado, a tua vinda. Durante meses, todo o meu amor, todos os meus pensamentos e toda a minha energia foram dirigidos a ti. Meu filho. No dia que o médico diagnosticou a tua trisomia, os meus olhos encheram-se de lágrimas, o meu coração partiu-se como se fosse vidro. Tive medo. Tanto medo. Mas não deixei de te amar, nunca deixei de pensa rem ti. Mas tive medo por ti. Como é que crescerias? Será que os teus colegas de turma seriam bondosos para contigo? Como é que eu poderia ajudar-te a avançar na vida? Hoje tenho essas respostas. És grande, agor

Bicho do Mato | Estória para não embalar

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© Jo Ann von Haff, 2002 Traduzido para o italiano por Cristina Galhardo, publicado pela revista Buràn (2007) Traduzido para francês, publicado no livro Pour une poignées de rêves  pela editora L'ivre-Book (2013) BICHO DO MATO por Jo Ann von Haff Enquanto olhava pela janela, a minha mente disparou. O avião iria aterrar em breve no Luena, na província do Moxico. Olhava para baixo e esquecia as vertigens. A minha vida estava a quilómetros de distância... Talvez fosse esse o problema. Eu via a minha vida como se fosse o Luena, uma cidade destruída pela guerra e pelo abandono dos que a governam, que com todas as riquezas naturais à volta, não deixa de chorar e sofrer pelo que não consegue ter. A minha vida era um caco. Quando finalmente o avião aterrou e que com a minha mochila às costas entrei no carro que me esperava, dei por mim a comparar Luanda e Luena, sem bem saber porquê, pois eu não suportava Luanda, nem pouco, nem mais ou menos. A verdade era

Pele da Minha Pele | Estória para não embalar

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Lembro-me de cada segundo do nascimento da Maria, e cada segundo desde esse dia. Lembro-me do cheiro de algodão, do seu calor contra o meu peito. Maria tinha o cabelo encaracolado, parecia cobre; a pele dela parecia caramelo. Maria era a vitória contre uma sociedade que antes me rejeitara. Maria. Menina linda, generosa, obediente, alegria dos pais dela. Até hoje. Estou furiosa. Aperto os punhos e bato as minhas pernas, esperando, em vão, poder me calmar. Mas é impossível. Não consigo. Depois dessa humiliação? Impossível! Eu e Maria estávamos entusiastas com a idea de mudar de casa, com essa nova vida. Mas essa cena, a frente do novo liceu... Ela conversava com os novos colegas. Aproximei-me lentamente para não me impôr, mas foi o suficiente para ouvir as palavras dela. Palavras que até agora me enojam, que me dão raiva. Não, raiva não. Estou triste. Profundamente triste pela luz dos meus dias, pelo fruto do meu ventre. Maria não olha para mim. Os olhos baixos, ela olha

Definição de Orgulho | Estória para não embalar

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© Luca Ferrari Escrito para o Photsoc, Festival Internacional da Fotografia social de Sarcelles, 2008, inspirado pela fotografia de Luca Ferrari. Publicado no livro  Pour une poignées de rêves  (2013) Estão todos malucos. Ou talvez sou eu, o louco, porque não compreendi nada. Não compreendi a verdadeira definição da palavra “orgulho”. A do dicionário que diz que é um “sentimento elevado do seu próprio valor” está desactualizada. Hoje, “orgulho” é uma palavra banalizada, usada para mostrar que não se tem vergonha. “Tenho orgulho em ser negro”, “tenho orgulho em ser americano”, “tenho orgulho em ser homosexual”. Falar de orgulho é como uma arma, usada contra os obstáculos, contra os preconceitos. Vocês não gostam de mim porque sou assim, mas eu tenho orgulho de o ser. Não quer dizer nada. Não tenho razão de ter orgulho da minha identidade. Será que tenho de ter orgulho de ser um homem, quando tinha 50% de chances de ser uma mulher? Será que tenho de ter orgulho d

Mamã, acreditas em Deus? | Estória para não embalar

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Traduzido para francês e publicado na revista Noir & Blanc (2007). Publicado no livro  Pour une poignées de rêves  pela editora L'ivre-Book (2013) MAMÃ, ACREDITAS EM DEUS? Por Jo Ann von Haff — Mamã, mamã! — Sim, filha? — Acreditas em Deus? Parei de despejar as amendôas na base da tarte para olhar para a minha filha de sete anos. Ela observa-me com os seus olhos, grandes e castanhos, com um ar sério. Muito sério. — Sim, filha, acredito em Deus. Ela pára para pensar. Despacho-me com a tarte e ponho-na no forno. — Porque me fazes a pergunta? – quis saber. Ela encolheu os ombros. Se há algo que aprendi com a minha filha, é que nada é gratuito. Ela nunca faz perguntas por obra do Espírito Santo. Encho a panela de água. — O que te preocupa? — Porquê que acreditas em Deus? Bem! Nunca me fiz tal pergunta. Acredito, simples quanto isso. — É um sentimento que vem de dentro. – expliquei desajeitadamente. — Mas tu não O vês.

A Vendedora de Ovos | Estória para não embalar

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© Vincent Boisot Escrito para o Photsoc, Festival Internacional da Fotografia social de Sarcelles, 2011, inspirado pela fotografia de Vincent Boisot. Publicado no livro  Pour une poignées de rêves  (2013) Paga-me mas não me olha quando entrego-lhe o troco. Aliás, será que olha quando escolho os seus ovos? Quando vos entrego os seus cartões? Seria incapaz de me reconhecer se eu estivesse longe do mercado. As outras vendedoras e eu somos iguais, mas você passa por nós todas as semanas há anos. Acha que somos apenas isto? Somos mulheres de combate, educamos os nossos filhos, fazemos viver a nossa comunidade. Sou alguém inteiro com sonhos e ambições. A minha vida não se limita aos seus ovos semanais, mas para si, a minha vida resume-se ao mercado. E no entanto... Quando saio daqui, não sou mais a pessoa que contribui ao seu pequeno-almoço continental. Não sou mais a vendedora de ovos. Sou outra pessoa. Sou uma artista. Uma voz. Quando a noite cai, o meu palco é o maior d